Por Neres Chagas da Silva (UNESP)
Atualmente, tivemos muito avanços na luta em favor das mulheres, entretanto, sabemos que temos um longo caminho para percorrer. Especialmente porque os avanços mudam muito quando colocamos uma lupa em determinadas regiões do mundo. Por exemplo, segundo dados da ONU, cerca de quase metade das mulheres em 57 países não possuem a liberdade de decisão sobre seu próprio corpo, como ter relações sexuais, usar métodos contraceptivos ou, até mesmo, acessar cuidados médicos, uma realidade acentuada na África Subsaariana. De acordo com o documento, que dentre os 57 países inclui lusófonos Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, apenas 55% das mulheres podem decidir plenamente sobre o que foi mencionando acima.
Além disso, é sabido que em diversos países não são devidamente reconhecidas diferentes corporeidades que englobam outras mulheridades. Por exemplo, mulheres trans e travestis. É muito importante que pontuemos a realidade de cada mulheridade, uma vez que a realidade de uma mulher branca na França certamente não se equipara em muitas questões com a de uma mulher lésbica e negra no Chile. Podemos dizer o mesmo de uma travesti em situação de marginalização no Brasil. As demandas de cada um desses exemplos muitas vezes podem ser bem diferentes.
Uma travesti geralmente busca sair da prostituição, uma vez que 90% dessa população se encontra nesse ambiente como única forma de sobrevivência. Dizemos, inclusive, que as pessoas trans tem um ciclo que passa por três etapas: sendo elas: (1) são expulsas das escolas, uma vez que esses espaços geralmente compactuam com a transfobia estruturada, e não há preparo mínimo para lidar com questões de gênero, (2) depois são expulsas do mercado de trabalho por não se adequarem às normas cisheteronormativas desses ambientes, e, por fim, (3) são expulsas de casa por não se adequarem às expectativas da família.
Dessa forma, é imprescindível que no movimento Feminista tenhamos uma luta que de fato se preocupe com todas as mulheridades considerando a individualidade de cada uma, para que não perpetuemos um feminismo branco, cisgênero e eurocêntrico! Por conta disso a frase de que “somos todas mulheres” é problemática e perigosa. Não, não são todas iguais e é importante que tenham demarcação dentro do ser mulher que considere a pluralidade de mulheridades que existem.
Abordando o assunto a partir da ótica trans, sobretudo das mulheres, surgiu a criação do movimento transfeminista, o qual é uma corrente do feminismo voltada especialmente às questões da transgeneridade (inclusive, essa não foi a única vez em que se criou uma corrente feminista que olhasse com atenção para um determinado grupo de mulheres, pois temos como exemplo o feminismo negro, que observou que a ideia da mulher universal representava, na realidade, a mulher branca, heterossexual e de classe média). Essa corrente transfeminista usa de argumentos da terceira onda do feminismo, em que marcadores sociais começam a ser analisados uma vez que, apesar de sermos todas mulheres, temos diferenças quanto à classe social, nacionalidade, etnia, orientação sexual e a outros indicadores. Por conta disso, ocorre o afastamento da ideia de que o gênero está atrelado ao órgão sexual e defende que existem diversas formas diferentes de ser mulher, se distanciando, assim, do conceito universalista de que mulher é aquela com uma vagina.
Infelizmente, o movimento transfeminista é ainda muito recente, embora venha ganhando cada vez mais força, sobretudo através das redes sociais. É imprescindível, neste mês das mulheres, darmos espaço e reconhecimento a todas as mulheridades para que possamos reconhecer suas demandas e criar, assim, um feminismo mais empoderado.
A autora
Neres Chagas da Silva é pesquisadora, formada em química e atualmente doutoranda em biotecnologia pela UNESP Campus Araraquara. Além de pesquisadora é também modelo, performer, professora de voguing e DJ. Se identifica como uma pessoa trans não-binária transfeminina e agênero, se tornando a primeira pessoa transfeminina a se formar no Instituto de Química da Unesp Araraquara.
Atualmente cursa Doutorado em Biotecnologia na UNESP campus Araraquara sob a orientação da docente Maria del Pilar Taboada Sotomayor da
UNESP. Possuindo o título da pesquisa como: Desenvolvimento teórico de um polímero molecularmente impresso para o biomarcador PSA. Concluiu o Mestrado em Química na UNESP – Campus Araraquara – Instituto de Química com intercâmbio na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Trabalhou no desenvolvimento de polímeros biomiméticos (polímeros molecularmente impressos MIP) para o biomarcador troponina T visando à construção de um imunossensor biomimético para o diagnóstico precoce do infarto agudo do miocárdio. Além disso, possui experiência na química computacional, com ênfase em métodos clássicos (Dinâmica Molecular) e métodos quânticos (Teoria do Funcional da Densidade). Atuou como aluna de iniciação científica no departamento de Química Analítica, com a docente Maria del Pilar Taboada Sotomayor como orientadora e o docente Gustavo Troiano Feliciano como co-orientador. Atuando na pesquisa: Desenvolvimento de sensores ópticos e eletroquímicos baseados em polímeros impressos com íons visando aplicação em química forense. Além disso, em suas atividades extracurriculares costuma efetuar palestras falando sobre química e sobre questões sociais, especialmente, gênero, sexualidade e etnia. Neres é a primeira pessoa trans feminina a se formar no instituto de química da UNESP Araraquara