Por Maria Helena de Moura Neves (UNESP, UPM / CNPq)
Neste “Mural de Relatos”, em que devo “compartilhar histórias e pensamentos”, o que tenho é uma história de vida marcada pelo encantamento que me dá a linguagem e pelo agradável percurso que trilho na busca desse conhecimento. E falo da linguagem não só como o uso comum de fala ou de escrita (prazeroso, sim), falo da linguagem que põe a própria linguagem como objeto de atenção e território de incursão. Já desconfiem que falo da “gramática” da língua. E com prazer…
Nasci e cresci em uma casa cheia de livros, que foi minha primeira escola de trabalho: lia-se muito, com uma mini biblioteca em casa e com uma enciclopédia que ocupava toda uma estante. Entrei no Primário com os 7 anos exigidos, mas um exame me classificou no 3º ano, e assim tive o “diploma” antes dos 9. O ganho se perdeu, afinal: só se entrava no Ginasial com 11 completos, e lá continuei eu lendo as 2 revistas argentinas que minha mãe assinava, e também o jornal Il Fanfulla, de meu avô italiano. E ainda estudando sozinha o livro preparatório para a Admissão ao ginásio, que eu enfrentaria. Os outros livros ficaram na espera…
Findo o Ginásio, fiz o Clássico, mas optei pela terminalidade do Normal, que me deu “diploma” aos 18 anos. O Clássico era paixão, eu queria era continuar com Português, Francês e Latim. Mas (já com casamento marcado) nem cogitei fazer faculdade, mesmo porque, obtendo o 1º lugar nos 4 anos de Normal (notas acima de 90), ganhei uma “cadeira-prêmio” de Primário, indo direto para sala de aula, de onde, aliás, nunca mais saí. A partir daí fui autodidata, lendo e relendo, especialmente Literatura e Filologia: a Linguagem que me era dada de dois lados.
Meu primeiro divisor de águas foi em 1960, com os Exames de Suficiência (MEC): a aprovação em um curso de 30 dias (tempo integral), licenciava (sem Faculdade) para Ginasial e Colegial. Tendo de levar meus 3 filhos para outra cidade, mas com minha mãe cuidando deles, fiz as 2 etapas (Português), com intervalo de 1 ano. E aprovadas foram, no país, entre 52 alunos, 2 “mulheres”, passando eu a lecionar nesses níveis.
Mas a Faculdade veio em 1967, com a alegria do curso de Grego instalado na FCL-Araraquara, e ainda com a oportunidade oferecida pela legislação de então: tive “afastamento” do Primário, pela aprovação em 1º lugar, Era tudo que eu queria, porque a “gramática” com a qual encantadamente eu lidava vinha dos gregos. Foi o meu 2º divisor de águas, pela oportunidade de engajamento formalizado em atividade de pesquisa. A partir do 3º ano fui monitora, já auxiliando nas aulas e montando um manual de gramática grega que, em 1985, foi editado como livro: o meu primeiro.
Graduada em 1970 comecei a amadurecer o projeto que levaria ao Mestrado. Conciliando meus dois grandes interesses, a Linguística e o Grego, fiz, de 1972 a 1974, 2 Cursos de Especialização, ambos de 2 anos: 1 de Linguística e 1 de Grego. E para poder ler no original as obras teóricas que usaria, iniciei em 1974 Licenciatura em Alemão. Em 1972 também comecei minha carreira universitária, por aprovação em prova de seleção para Prof. Assistente de Língua e Literatura grega na FCL-Araraquara, passando a ministrar 16 aulas semanais de Graduação.
Submeti-me a seleção para Mestrado em Letras Clássicas na FFLCH-USP em 1975, mas em 1976 o Programa de PG me colocou no nível de Doutorado, e em 1978 defendi tese. De então em diante, fala por mim o Lattes…
E, amarrando esta ponta com a primeira linha deste texto, registro que minha grande pergunta teórica era esta, genericamente falando: o que é necessário a um povo para que, um dia, se decida que se vai elaborar uma gramática da língua? Graças a meu sábio orientador, José Cavalcante de Souza, fui desvendar, na filosofia e na literatura grega incipiente, a origem e o desenvolvimento do pensamento grego sobre a linguagem que permitiu a segura separação entre a linguagem e as coisas graças à qual se deu a instituição de uma gramática.
Na contínua lida com a linguagem, continuo hoje, com buscas tais…
A autora
Professora emérita pela Unesp, é licenciada em Letras (Português-Grego e Alemão) pela Unesp, doutora em Letras Clássicas (Grego) pela USP e livre-docente (Língua Portuguesa) pela Unesp. É bolsista de Produtividade em Pesquisa – nível 1A do CNPq. Atualmente é professora associada da Universidade Presbiteriana Mackenzie e professora voluntária da Unesp – Araraquara.
Pesquisa particularmente a teoria funcionalista da linguagem, as relações entre texto e gramática e a história da gramática, especialmente na sua filiação grega.
É autora de mais de 10 livros autorais nessas especialidades, além de 3 manuais de Gramática de usos da língua portuguesa, e é coautora de 5 dicionários da língua portuguesa produzidos na FCL – Unesp. Também na Unesp foi uma das 3 coordenadoras e coautora do Dicionário grego-português (5 volumes: 2006; 2007; 2008; 2009; 2010), em reedição em 1 volume único (para 2022). Foi coordenadora de equipe, por cerca de 20 anos, no grande projeto coletivo “Gramática do Português culto falado no Brasil”, sediado na Unicamp. É Membro do Conselho Editorial de 11 revistas especializadas e Consultora de 6 Fundações de Apoio à Pesquisa.