Por Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (UNESP)
No Dia Internacional da Mulher e sempre, devemos relembrar a luta das mulheres pela igualdade de direitos na História da humanidade. Conforme expõe Eva Alterman Blay (2001, p. 601), nos países que se industrializavam durante o século XIX e no início do século XXI, o trabalho fabril era realizado por homens, mulheres e crianças em jornadas de 12, 14 horas por seis dias e, frequentemente, incluindo as manhãs de domingo, em condições desumanas nos locais de produção. As mulheres e as crianças eram ainda mais exploradas. O salário era de fome e devido às reivindicações dos(as) trabalhadores(as), os proprietários viam os operários e as operárias como “classes perigosas”. As trabalhadoras sempre participaram das lutas gerais mas quando reivindicavam salários iguais pelas mesmas tarefas desenvolvidas, não eram consideradas. Conforme a autora expõe, até por volta de 1960, em nenhum momento a luta sindical teve o objetivo de que homens e mulheres recebessem salários iguais.
Durante a II Conferência Internacional das Mulheres em Copenhague, na Dinamarca, em 1910, Clara Zetkin, feminista marxista alemã, propôs que as trabalhadoras de todos os países organizassem um dia especial das mulheres, com o objetivo de promover o direito ao voto feminino. A reivindicação também se dava por feministas de outros países, como Estados Unidos e Reino Unido.
No ano seguinte, em 25 de março, em Nova York, ocorreu um incêndio na fábrica da Triangle Shirtwais devido às portas trancadas, algumas pessoas saltaram pelas janelas o que levou-as à morte assim como trabalhadoras morreram no local de trabalho. Estudos mostram que 146 pessoas morreram, sendo 125 mulheres e 21 homens, na maioria judeus e jovens mulheres imigrantes. Este incêndio levou a inúmeras manifestações em homenagem às vítimas e levou à especificação de critérios rigorosos sobre as condições de segurança no trabalho e para o crescimento dos sindicatos. Naquela empresa, em 1909, já havia ocorrido uma grande greve de mulheres costureiras coordenadas pelo histórico sindicato International Ladies’ Garment Workers’ Union, que era um dos maiores sindicatos dos Estados Unidos e um dos primeiros sindicatos americanos a ter a maioria dos filiados do sexo feminino, que tentava negociar um acordo coletivo. Conforme pesquisas mostram, a empresa se recusou a assinar o acordo.
Diante de toda esta luta, o Dia Internacional da Mulher foi oficializado pela Organização das Nações Unidas na década de 1970. Essa data simboliza a luta histórica das mulheres para terem suas condições equiparadas às dos homens, tanto no que diz respeito à igualdade salarial quanto com relação às condições de trabalho, além da igualdade de direitos na sociedade como um todo. Esta luta se deu em toda a História da Humanidade, inclusive no Brasil, com as ações de grupos feministas até a atualidade quando ainda se constata sérios problemas, injustiças sociais e aviltamento a direitos, vivenciados por muitas mulheres como a desigualdade salarial, a jornada de trabalho maior incluindo o trabalho doméstico, a violência doméstica, dentre outros problemas que são constatados na sociedade.
Todos estes acontecimentos, que conheci após ter reiniciado meus estudos desde o Magistério, além das observações sobre a desigualdade entre homens e mulheres na sociedade desde a mais tenra idade, me levaram a estudar posteriormente os Direitos Humanos, os Direitos das mulheres, a situação das mulheres na sociedade, os movimentos feministas, a educação para a igualdade de gênero, temas aos quais tenho me dedicado na vida, tanto na Academia quanto na comunidade. Nestas poucas linhas exponho brevemente parte de minha trajetória enquanto professora nas redes municipal e estadual de educação, depois aluna no Curso de Pedagogia e do Mestrado em Educação, da Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP, Campus de Marília. Parte de minha formação anterior ocorreu durante a Ditadura Militar. Quando criança, via nas revistas fotos de revolucionários mortos que lutavam contra a Ditadura, eu ficava muito triste mas minha família, assim como a maioria das pessoas, não sabia a verdade pois a imprensa só publicava notícias que interessavam ao poder político daquele momento, não havia a liberdade de imprensa. Durante este período, tínhamos aula de artes e daí os meninos aprendiam a trabalhar com madeira e as meninas aprendiam a costurar e bordar. Devido às observações sobre estas e tantas outras diferenças para homens e mulheres na sociedade inclusive sobre situações de violência contra as mulheres que eram muitas vezes silenciadas pelas famílias, além da constatação nas escolas quando me tornei professora, de que algumas professoras trabalhavam na perspectiva de valores estereotipados quanto ao masculino e feminino. Elas não se viam como agentes importantes para a desconstrução da visão androcêntrica de mundo que valoriza o masculino, contribuindo para a não assimilação da cidadania participativa e igualitária para as meninas. Este foi o tema que estudei no Mestrado, sob a orientação do Prof. Dr. Tullo Vigevani, a quem agradeço muito pela oportunidade de aprofundamento dos estudos e realização da pesquisa que, ao ser publicada foi denominada “Cidadania da Mulher Professora”. Durante a realização da pesquisa, ao estudar a História do município, constatei que havia mobilizações importantes das mulheres inclusive tinham um programa na rádio local, o Rádio Mulher, nos anos de 1980. Naquele momento, em consonância com as atividades do recém criado Conselho da Condição Feminina, o Conselho da Condição Feminina de Marília realizava atividades inclusive nos bairros estimulando a participação política das mulheres. Com esta constatação e devido à não participação das mulheres enquanto candidatas e eleitas para a Câmara Municipal da localidade, meu estudo no Doutorado se deu durante as eleições do ano 2000 para constatar se havia mudanças, a denominação da publicação da pesquisa foi “Gênero e Poder Local”. Constatei que havia sim muitas mudanças, inclusive com relação ao número de homens e mulheres nas candidaturas, também resultante das lutas feministas. Contudo, havia dificuldades para a campanha das mulheres, apenas o Partido dos Trabalhadores, naquele momento, que já tinha a política de cotas em outras instâncias, apoiou também a candidatura das mulheres. Apenas uma candidata teve apoio tanto do Partido quanto do Movimento Negro tendo inclusive um Diretório para o desenvolvimento de sua campanha, foi a Profa. Dra. Ana Lucia Pereira, ex estudante da UNESP de Marília, que ficou suplente e, ao substituir o titular por dois meses, foi a primeira mulher negra a assumir a vereança na localidade. O Doutorado realizei na Universidade de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra. Eva Alterman Blau, a quem agradeço muito pela oportunidade ímpar de conhecer as ações do movimento feminista paulista que tinha a Profa. Eva como uma de suas líderes, sendo a primeira Presidenta do Conselho da Condição Feminina de São Paulo. Agradeço também pela oportunidade de estudar as obras e participar dos cursos proporcionados pelo NEMGE, Núcleo de Estudos da Mulher e de Gênero, da USP, de conhecer ONGs feministas além de participar dos eventos feministas ocorridos naquele momento na cidade de São Paulo.
Ao finalizar o Mestrado e o Doutorado, ficou claro o quanto a História da humanidade, incluindo a História do município no qual a pesquisa fora realizada, invisibilizou o papel importante que as mulheres sempre tiveram na sociedade. Da mesma forma, foi possível conhecer o hiato entre as políticas e sua efetivação na sociedade e no espaço escolar devido, por vezes, por falta de formação continuada acerca dos temas que já nos anos de 1990, estavam contemplados nas políticas, baseados nos valores da Democracia, dos Direitos Humanos, da Ética, da Cidadania e para a igualdade de gênero, consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil.
Parte destes estudos foram ainda aprofundados, em nível de Pós-Doutorado, em Portugal, sob a Supervisão do Prof. Dr. Almerindo Janela Afonso, junto à Universidade do Minho, visando conhecer as políticas educacionais acerca dos meus temas de estudo, bem como o vivenciar da cidadania nas escolas públicas. Em Valência, na Espanha, sob a Supervisão do Prof. Dr. Fernando Marhuenda Fluixá, junto à Universidade de Valência, foi possível constatar similaridades e distinções para o vivenciar da Cidadania, da cultura dos Direitos Humanos e da educação voltada à igualdade de gênero naquela localidade em escolas públicas e em órgãos voltados ao acolhimento às mulheres vítimas de violência. Além destes temas, atualmente, tenho estudado a Mediação Escolar e a Educação para a Paz, no período da pandemia incluindo outros países e outros Estados brasileiros. Neste momento, quero expressar meus agradecimentos também aos professores e todos(as) pesquisadoras daquelas Universidades que me acolheram bem como aos(às) docentes que me receberam nas escolas tanto de Portugal, quanto da Espanha, dos outros países, de Marília e dos outros Estados brasileiros que agora participam da pesquisa no formato on line, devido ao necessário distanciamento social.
Agradeço imensamente à FAPESP que proporcionou sempre o apoio importante para a realização plena do meu trabalho e à UNESP, que proporcionou os conhecimentos iniciais, desde o curso de Pedagogia, o qual cursei e desde o início deste tive oportunidade de conhecer a História das Mulheres e as ações dos movimentos feministas, além da literatura feminista. Agradeço, também, ao Departamento de Administração e Supervisão, UNESP de Marília, que me acolheu e que sempre apoiou meus estudos e meu trabalho, além de agradecer ao Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia, liderado pela Profa. Dra. Neusa Maria Dal Ri (UNESP, Marília), ao Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual na Educação que coordeno com a Profa. Dra. Arilda Inês Miranda Ribeiro (UNESP, Presidente Prudente), ao Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília-NUDHUC, coordenado pelo Dr. Wilson Roberto Batista (Rede Municipal de Educação) e Profa. Dra. Maria Valéria Barbosa (UNESP, Marília), ao Observatório de Educação em Direitos Humanos da UNESP, coordenado pelo Prof. Dr. Clodoaldo Meneguello Cardoso (UNESP, Bauru), a todos(as) pesquisadores(as), orientandos(as) e a todas as escolas que têm participado das pesquisas e proporcionado o conhecimento sobre o cotidiano escolar, em toda minha trajetória de estudos. Eternamente grata, seguimos sempre em luta por uma sociedade mais humana e justa para todas as pessoas. Marielle presente !!!
Referências
BLAY, Eva Alterman. Ensaio. 8 de Março: Cconquistas e controvérsias. Estudos Feministas, n.2, 2001, pp 601-607.
BRABO, Tânis Suely Antonelli Marcelino Brabo. Cidadania da Mulher Professora. São Paulo: Icone Editora, 2005.
BRABO, Tânis Suely Antonelli Marcelino Brabo. Gênero e Poder Local. São Paulo: Humanitas, FAPESP, 2008.
A autora
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo, docente do Departamento de Administração e Supervisão Escolar e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP, Campus de Marília. Lider do Grupo de Pesquisa NUDISE- Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual na Educação. Membro do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia e do Observatório de Educação em Direitos Humanos da UNESP.