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Racismo religioso segue forte e agressivo no Brasil

    “E o racismo, quando ele não mata, ele acaba deixando suas marcas”, desabafa babalorixá de Diadema.

    A semana de Nelson Freitas da Silva foi corrida. Ele é babalorixá do Ilê Axé Nochê Abê Manjá Orubarana, uma casa de candomblé que há mais de 50 anos cultiva a religião afro-descente em Diadema. No dia 22 de janeiro seu terreiro realizou uma festa para Oxalá. Mesmo na correria dos preparativos para o evento, Nelson separou alguns minutos, tarde da noite de sexta-feira, para conversar com o Educando para Diversidade sobre o racismo religioso que sofre diariamente.

    No dia 21 de janeiro foi comemorado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data contrasta com os números dos últimos dois anos: os crimes em razão da religião aumentaram em 45% no país, segundo dados do Jornal Hoje. As que provêm de matrizes africanas seguem sendo o foco dos ataques violentos. Em 2022, diariamente foram registradas três queixas desse tipo de intolerância no Brasil.

    As religiões de matriz africana no Brasil são diversas, múltiplas. Segundo Nelson, é “uma árvore de vários galhos, uma diferente da outra”. Trazidas para o país junto ao povo africano que foi arrancado de seu continente, elas podem ser divididas de acordo com suas origens. Existem as desenvolvidas no Brasil, como a Umbanda, as afro-brasileiras, como é o caso do Candomblé, e por fim as que, mesmo originadas no Brasil, se baseiam nos processos de ordem das religiões da África, como o Ketu e o Jêje.

    Cada uma com suas especificidades, algo que todas compartilham é a luta diária por respeito. “A gente vive isso e vê isso todos os dias. O Brasil, ao meu ver, é o que mais tem racismo religioso. Todos os dias a gente sofre um preconceito. Por ‘mais pequeno’ que for, a gente sofre, sim”, desabafa Nelson, sobre a dificuldade de praticar sua crença.

    Ele ainda explica que sofre olhares estranhos, ameaças e violências por expressar sua religião em atos como vestir uma roupa branca na rua. “São pessoas que quebram indumentárias e objetos religiosos. Parece que ainda vivem o tempo da escravidão. As nossas casas religiosas são alvos de ataques. O povo evangélico joga sal grosso na casa da gente, jogam enxofre”, desabafa Nelson.

    “E se o apedrejado fosse você?”, perguntam manifestantes contra o racismo religioso. Foto: Roger Cipó

    Além do preconceito estar ligado ao racismo, Nelson explica que a sua religião, candomblé, também é mal vista por conta do acolhimento que dá a outras comunidades marginalizadas. “A nossa religião é de acolhimento. É uma religião que acolhe a todos. Os nossos terreiros estão de porta aberta para abraçar travestis, lésbicas, todos da diversidade LGBTQIAPN+”, elucida o babalorixá. Ele esclarece que todo o preconceito ligado a essas comunidades se vira contra sua religião.

    O sacerdote religioso ainda comenta da ambiguidade entre o racismo religioso contra seus costumes, e a luta por tentar roubar de seu povo símbolos africanos. “Teve um tempo atrás que o povo evangélico queria mudar o acarajé para “bolinho de jesus”, comenta Nelson. O caso aconteceu em Salvador, onde o tradicional acarajé, especialidade gastronômica das culinárias africana e afro-brasileira, começou a ser vendido com um novo nome. 

    O caso não é incomum. As tentativas de apropriação culturais estão presentes diariamente no Brasil, onde tentam apagar as verdadeiras origens de costumes e símbolos da população negra. “Lá vem esses pretos intransigentes dizer que branco não pode usar turbante. Pode, sim. Aliás, deve. O que não pode é esvaziá-lo de significado”, foi como começou Rodney William no seu texto “Sobre capoeira gospel, bolinho de Jesus e afins” para a Carta Capital. Na coluna, o Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP discute a tentativa de transformar a cultura negra em mais “aceitável” ao tentar afastá-la de suas origens africanas.

    Todas essas violências machucam e cansam o povo que as sofre. “O racismo, quando ele não mata, ele acaba deixando suas marcas”, comenta Nelson, sobre o quão desgastante é a rotina de precisar lutar para viver livremente sua religião em um país que é, pelo menos teoricamente, laico.

    No dia 11 de janeiro, o presidente Lula assinou a lei que equipara o crime de injúria racial ao de racismo, este sendo inafiançável e imprescritível. Durante a cerimônia em que Anielle Franco assumiu o Ministério de Igualdade Racial, a assinatura do presidente marcou também um avanço no combate ao racismo religioso: aumentou a pena para quem praticar intolerância religiosa.

    Agora, o crime passa a receber a pena de dois a cinco anos de prisão a quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas. Segundo nota do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, a lei vai garantir uma liberdade religiosa à população. É isso que espera Nelson e outras pessoas que praticam Umbanda, Candomblé ou outras religiões afro-brasileiras. Estas representam 2% da população brasileira, segundo pesquisa do Datafolha de 2020. 

    Apesar da nova lei, ainda há muito chão para percorrer na luta por maior igualdade e liberdade religiosa no Brasil. Nelson acredita que o mais importante é persistir e continuar espalhando a verdadeira face da sua religião, que tanto tentam pintar de maldosa. “E a gente permanece pela nossa resistência, pela nossa teimosia, pela nossa fé que a gente tem nos nossos ancestrais”, finaliza Nelson, que segue orgulhoso de sua religião.

    Créditos

    Texto elaborado por Mariana Fabiano, colaboradora do Educando para a Diversidade.

    Capa por Gabriela Simões, colaboradora do Educando para a Diversidade.