Pular para o conteúdo

Para todos os tons: a falta de maquiagem para pele negra no mercado

    Existindo desde o Egito Antigo, em torno de 3 mil anos A.C, a maquiagem ainda é uma forma de expressão artística muito utilizada. Para além das grandes produções, as pinturas se tornaram parte da vida cotidiana de muita gente. Porém, nem todos têm acesso a produtos de qualidade, graças a falta de tons mais escuros e produtos mais inclusivos no mercado. 

    Em 2020, pesquisas relacionadas a “maquiagem para pele negra” aumentaram em 60% comparado ao ano anterior, segundo levantamento do Google. Geralmente, é na esfera de produtos para o cabelo que vem a busca por diversidade, e hoje essa área conta com uma variedade grande de cremes para muitos tipos de curvatura. Mas, nos últimos anos a busca por diversidade em cosméticos para a pele cresceu em torno de 15% anualmente.

    Quem está a mais tempo nesse mercado percebe que apenas recentemente essa inclusão aumentou. Taina Melo trabalha desde 2016 no mundo da beleza. Hoje especializada em maquiagem para peles negras, a profissional acompanha a tempo essa escassez de produtos para sua pele e de suas clientes. 

    “Eu acredito que venha mudando de alguns anos para cá. É bem pouco mesmo. Uns dois, três anos, porque se vem falando muito disso. As pessoas negras têm ganhado espaço dentro da internet para poder falar sobre”, reflete Taina. Nas redes sociais, o público negro reivindica atenção de empresas de cosméticos. São influencers como Tássio, que iniciou sua carreira online com seu canal no YouTube, “Herdeiro Da Beleza”. Desde os seus primeiros vídeos, Tassio se propõe a testar os tons mais escuros de bases e corretivos, para mostrar como ainda falta inclusão para peles mais retintas. 

    Pioneira em criar tons de base para as mais diversas peles negras, Rihanna se destacou ao lançar, em 2017, sua marca de cosméticos, Fenty Beauty. Foram mais de 40 tons de base, que conseguiram abraçar parte da população que antes não se via nas maquiagens.

    No Brasil, essa mudança ocorre de forma mais lenta. Taina confessa desejar que essa inclusão chegue com mais eficiência no mercado brasileiro: “eu espero que melhore ainda mais, e principalmente os produtos nacionais, porque a gente depende muito de marcas que vem de fora e vendem no valor absurdo. A maioria das pessoas negras não tem condições de investir em um produto desse para poder utilizar”. 

    Ainda no levantamento do Google Brasil, das 1.000 brasileiras negras entrevistadas, 26% assumiram ter dificuldades para encontrar base para seu tom de pele. Entre os motivos estão o alto custo dos produtos e não saber encontrar a paleta ideal para seu rosto. 

    Falta de preparo dos maquiadores

    No mercado profissional, muitos maquiadores ainda não estão preparados para lidar com peles mais escuras. Taina relembra de situações onde viu parceiros de trabalho errando a tonalidade de suas clientes. “A dificuldade que eu encontro é não só de achar produtos, mas também de achar profissionais que queiram investir em estudar [sobre a pele negra]”. Ela relata que já viu profissionais que acinzentam a pele de seus clientes, um erro ainda muito comum quando o assunto é pele negra. 

    Para não cometer esses erros, o profissional precisa conhecer bem a pele que vai maquiar. A maquiadora elucida que, ao começar o processo, ela segue um ritual de limpeza e hidratação na pele, possibilitando saber exatamente com qual o tom e subtom vai trabalhar. 

    O tom é aquilo visto ao olhar para o rosto de alguém, a cor da pele possível de enxergar. Já o subtom é a cor no fundo da pele, a parte menos visível, mas que faz diferença na hora da maquiagem. É preciso saber como tratar a combinação de tom e subtom de uma pele para não errar na escolha dos produtos.

    Entender o próprio rosto facilita na hora de comprar produtos e se auto-maquiar. Taina indica ter cuidados com a pele. “Eu recomendo que cuide bem da sua pele, por mais que você seja uma pessoa negra é importante que você limpar, hidratar e proteger a sua pele. Tem que usar proteção solar, acho que isso é crucial”. 

    Para escolher os cosméticos, a melhor forma é testando antes de comprar. “Você vai testar no rosto, porque é o lugar que você vai utilizar a maquiagem. Passe um pouco no seu pescoço, no seu colo, porque aí você vai ver se ele se iguala quando ele dá uma secada”, indica Taina. Além disso, ela orienta esperar a base oxidar antes de determinar se é mesmo a cor certa, pois o tom muda após a secagem na pele. 

    A maquiagem natural na pele preta

    Uma grande tendência no momento, destaque no TikTok, é a maquiagem natural. Chamada de “natural glow“, ou brilho natural, em tradução livre, essa make consiste em dar o que é chamado de “ar de saúde”. 

    Taina confessa ter esse estilo como favorito, pois se destaca em peles negras. “As peles negras elas têm uma beleza muito natural. Elas têm um tom que a pessoa brilha, então às vezes só precisa de cuidados diários, uma boa higienização e uma ótima hidratação, e a pele já entrega tudo”, declara a maquiadora. 

    Para adaptar essa tendência em peles negras, maquiadoras e influencers costumam apostar em uma boca contornada, um blush natural e iluminador. “A minha maquiagem perfeita seria uma pele bem glow, com muitos produtos, mas que parece que não tem nada”, confessa Taina. 

    O motivo de gostar tanto da maquiagem natural, a maquiadora explica, é porque ressalta a beleza que as pessoas negras já têm. Para Taina, é importante que a maquiagem seja auxiliar na autoestima das maquiadas, e não que venha para modificar seu rosto. 

    Quando perguntada sobre como suas maquiagens devolvem a autoestima para suas clientes, Taina relembrou uma de suas histórias. A maquiadora foi chamada para maquiar uma mulher que estava tendo problemas em seu casamento. Ela iria ter um evento para ir com seu marido, e apostou em se arrumar com Taina para agradar o parceiro. Após passar a tarde toda se arrumando, o marido nem olhou a mudança da sua cliente. “Então aquele momento eu sabia que não era só uma maquiagem que eu precisava entregar, eu precisava entregar o meu apoio a ela por ser mulher”, relembrou Taina.

    Trabalhos como o de Taina influenciam a percepção que os clientes têm sobre si, e a maquiadora entende a importância do seu papel. “Eu sempre busco entender qual é a real necessidade do embelezamento daquela mulher. Toda vez que eu atendo alguém, um pedaço dessa pessoa ficar comigo, e um pedaço meu ficar com ela”, finaliza a profissional.

    Créditos

    Texto elaborado por Mariana Fabiano, colaboradora do Educando para a Diversidade.

    Capa por Victor Hugo, colaborador do Educando para a Diversidade.