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Menina Mulher Militante Pesquisadora no Campo dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes

    Por Débora Cristina Fonseca (UNESP)

    Me chamo Débora Cristina Fonseca e sou nascida na cidade de Franca/SP, sendo a mais velha de oito irmãos (2 irmãs e 5 irmãos). Tenho uma trajetória de dedicação e cuidado com os outros. Hoje por escolha, mas antes por necessidade, dada as limitações das possibilidades concretas. Inicialmente, por ser menina, cuidava dos irmãos mais novos para “ajudar” a mãe; não obstante, fui por ela incentivada aos estudos, que repetia a todo tempo: “mulher tem que estudar” – oportunidade que ela não teve, pois ingressou com 9 anos no trabalho doméstico e, posteriormente, na indústria de calçados. Minha infância foi com meu pai, também operário na indústria calçadista, e minha mãe, trabalhadora do lar, que acumulava o trabalho de costura de sapatos na própria casa. Essa é uma história muito comum nas famílias francanas: mulheres que “ajudam” na renda da casa, trabalhando com costura de sapatos a domicílio, acumulado com o cuidado dos filhos e afazeres domésticos. Nessa cotidianidade e sociabilidade, o trabalho infantil era recorrente. As crianças costumeiramente trabalhavam. E talvez algumas ainda trabalhem na costura manual de sapatos, oriundos das indústrias calçadistas, sem o pagamento de direitos trabalhistas, As crianças iniciavam o trabalho ainda muito pequenas, sob o título de “ajuda” às mães, mas também como forma de aprender o ofício, traçando trajetórias dos trabalhadores nomeados como “sapateiros”. Escapei do trabalho infantil explorado pela indústria calçadista, pela determinação e certeza de minha mãe, que desejava, e assim lutou, por outro futuro para suas filhas.  Mas o cuidado da casa e dos irmãos foi incontornável, e sempre esteve presente. 

    Relato esse pequeno trecho para contar aspectos do meu percurso até chegar à Universidade. Ingressei no Curso de Psicologia da Unesp Bauru em 1991. E graças às bolsas de apoio a aluna(o)s carentes (bolsas de permanência estudantil, ainda em número muito incipiente à época), pude realizar minha formação. Tenho uma trajetória de luta, de busca pela sobrevivência e de meus sonhos. Hoje sou Professora Doutora na Unesp, universidade que me formou e que me acolheu em minhas demandas formativas e de sobrevivência real e psíquica. Instituição na qual também aprendi a converter a minha história pessoal em luta pelos direitos de crianças e adolescentes. Assim me constituí mulher e militante. Na contínua busca pela mudança de realidade de milhares de crianças e adolescentes brasileiros, que têm seus direitos cotidianamente violados e expostos às condições precárias de vida e ao trabalho infantil. Na luta por jovens que têm suas histórias marcadas pela violência e descaso por parte da escola e do poder público; principalmente na luta em prol das meninas (mulheres feitas precocemente), alvos da lógica machista que ainda impera no cotidiano de suas vidas, principalmente das mais pobres. Hoje sou pesquisadora no campo de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes e de defesa dos jovens em cumprimento de medidas socioeducativas junto ao Departamento de Educação e Programa de Pós-Graduação em Educação no IB/Unesp Rio Claro. Lugar importante para a minha luta, onde me constituo diariamente como mulher, pesquisadora e militante pelos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. Onde posso re-existir e lutar pelas mulheres, na ciência e em todos os lugares que desejam estar. 

    A autora

    Docente no Departamento de Educação e Programa de Pós- Graduação em Educação Unesp/IB- Rio Claro. Psicóloga pela Unesp Bauru e Doutora em Psicologia Social pela PUC/SP.

    Coordenadora o GEPEPDH (Grupo de Estudos e pesquisa em Educação, Participação democrática e Direitos Humanos) e integrante do JOVEDUC (grupo de Pesquisa Jovens, Violência e Educação – JOVEDUC.

    Membro do Observatório de Educação em Direitos Humanos – Unesp.