Por Mônica Regis (UNESP)
Vasculhando minhas memórias de infância e adolescência não encontro cenários nos quais possa afirmar que esse período da vida possa ter sido influenciado por comportamentos diferenciados dos meus pais em relação a mim, minha irmã e meus dois irmãos.
Pai e mãe trabalhavam fora. Filhos e filhas começaram cedo a trabalhar para ajudar nas despesas da casa e nem todos estudaram além do básico.
Minha trajetória profissional em nada se parece com a da minha mãe. Enquanto ela se dedicava, além do trabalho fora de casa, também ao marido e filhos, eu, que muito cedo adquiri independência sobre decisões da minha vida, resolvi diferente e nunca me detive para pensar muito nisso: foi natural não sonhar com um casamento convencional e também natural não querer ter filhos.
Aos 19 anos fui aprovada no primeiro concurso público e pouco tempo depois, aprovada também em um concurso da Unesp.
Até ingressar no IBILCE, há mais de duas décadas, vivi sem pensar na questão da autonomia feminina. Não seria razoável que fosse assim?
Depois de um certo tempo, comecei a ter sentimentos verdadeiramente paradoxais na convivência universitária. Se por um lado me relacionava com a elite da sociedade acadêmica e com toda a heterogeneidade existente ali, em todos os sentidos, via também a diversidade de violências, a intolerância, que não eram sempre escancaradas; podiam estar dissimuladas, ou mesmo disfarçadas de boa intenção.
Por um tempo fui irredutível, obstinada na convicção de que aquilo não me dizia respeito.
Até que, com as informações me cercando, não foi mais possível permanecer alheia. Compreendi de forma definitiva o que é ser mulher nesses tempos: não acontece para todas da forma como aconteceu comigo. Ser branca, magra, ter uma família amorosa e com uma estrutura que pode ser considerada tradicional, um trabalho digno com um salário que me bastava. Parecia até uma transgressão e não era razoável que eu vivesse tão tranquila com isso.
Esse constrangimento me levou a iniciar o trabalho em atividades referentes aos direitos humanos. Mesmo não gostando de estar em evidência ou de falar em público (me expor aqui também é um enfrentamento!!!) eu poderia, sim, fazer algo a esse respeito.
Começando com a participação em uma Comissão Local de Direitos Humanos, participação tímida inicialmente, mas um trabalho que me incentivou a busca por outros.
Admirava as funcionárias, professoras e alunas que, embora dentro de uma universidade pública, onde tinham ingressado por mérito e por direito, sofriam indiferença e discriminação apenas pelo fato de serem mulheres. Abaladas ou não, elas continuavam sua jornada.
Como supervisora da Seção Técnica de Graduação me relacionava com o público de todos os segmentos acadêmicos. No entanto, meu itinerário de mais de 16 anos nessa função me aproximou principalmente das alunas de Graduação. Foram muitas histórias e nem todas felizes.
Participando de incontáveis comissões e grupos de trabalho, posso afirmar que é possível fazermos algo para promover mudanças nesse cenário.
Hoje, atuando na Ouvidoria Geral da UNESP e participando no GT Mulheres da UNESP me enlaço definitivamente no tema. Admiro e aprendo com outras mulheres, engajadas nesse propósito muito antes que eu escolhesse trilhar essa jornada. Minha decisão, absolutamente consciente, é honrar o apoio e privilégios que tive, trabalhando no interesse daquelas que estão num percurso diferente.
A autora
Mônica Regis, servidora técnico-administrativa na UNESP – câmpus de São José do Rio Preto, com especialização em Administração Pública, atuando na Ouvidoria Geral da UNESP, encarregada do Sistema de Informação ao Cidadão-SIC UNESP e participante do Grupo de Trabalho Mulheres na UNESP.