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Uma moda que respeite todos os corpos

    Introdução

    A moda diz muito sobre a identidade de uma pessoa perante à sociedade. Questões como autoestima, conforto e estética das roupas que usamos estão estritamente conectadas ao nosso estilo, personalidade e individualidade. Contudo, quando se trata de acessibilidade, há uma barreira que dificulta e limita a confecção de peças para pessoas com deficiência. Movimentos que são rotineiros e simples para pessoas que não possuem deficiência podem ser complicados e demorados para pessoas que possuem. Por isso, a moda se torna um ponto chave para a inclusão e visibilidade de pessoas com deficiência.

    Para que uma peça seja inclusiva, o estilista deve estar atento aos detalhes. Para uma pessoa cega, por exemplo, uma costura em alto-relevo e a etiqueta em braille fazem toda a diferença. Para quem tem mobilidade reduzida, peças com fechamento em velcro facilitam na hora de vestir.

    Em outros países, marcas importantes já estão produzindo peças adaptáveis. A grife estadunidense Tommy Hilfiger lançou em 2017 a coleção Tommy Adaptive, com roupas com fechos magnéticos, bainhas ajustáveis, zíperes de uma mão e fechos de velcro. Já a rede de fast fashion britânica Asos criou um macacão à prova d’água, em parceria com a atleta paralímpico Chloe Ball-Hopkins. No entanto, elas são exceção entre as grandes marcas. O que vemos, na verdade, é um movimento de pequenos produtores que estão pensando em peças inclusivas e levando a moda para todos.

    No entanto, elas são exceção entre as grandes marcas. O que vemos, na verdade, é um movimento de pequenos produtores.

    Faça uma pose​

    Em Bauru, a 25ª Mostra Arte sem Barreiras trouxe um desfile de moda inclusiva. A marca Aria, responsável pelas roupas, é a única na cidade em moda inclusiva. Suas peças têm abertura total em velcro, bolso interno para sonda, zíper com argola e etiquetas em braille.

    Drika Velário, 32, fundadora da marca, conta que desde pequena é apaixonada por moda. O interesse por moda acessível, porém, só veio mais tarde, durante a faculdade. “Eu comecei a trabalhar com moda inclusiva há 8 anos. Eu queria criar alguma coisa que ajudasse pessoas e que tivesse continuidade depois de me formar”.

    A estilista conta que seu maior aprendizado foi ouvir o que as pessoas com deficiência precisavam e queriam. “Antes eu desenhava algo e achava que ia super funcionar. Na hora que eu apresentava a peça, eles falavam: ‘de onde você tirou que isso me é funcional?”.

    Drika relata, ainda, que encontrou uma grande demanda por roupas que tivessem um olhar mais fashion. “Eu pensava apenas em peças funcionais, mas eles não queria só vestir uma roupa, queriam também queriam estar na moda”.

    Áudio 1 - Entrevista Drika.

    Transcrição do áudio 1: “É bem diferente o começo de agora. São oito anos trabalhando e pesquisando a moda inclusiva. Lá no começo acontecia muito assim: eu desenhava algo da minha cabeça, que pra mim ia super funcionar para uma pessoa com deficiência e na hora que eu pegava a peça e apresentava pra eles, eles falavam assim ‘Drika, de onde você tirou que isso me é funcional?’. Aí eu respondi uma vez assim ‘Ah, mas eu pensei que…’, você não pensou nada, o deficiente sou eu, então você pergunta pra mim. É uma coisa óbvia, é muito óbvio, gente. Mas logo que você tá na faculdade você não tem esse olhar, você vai querer inventar coisa que às vezes nem sempre  é funcional. Hoje, o que acontece é muito legal, porque por mais que você estude os corpos e a anatomia pra chegar a uma solução, você vai criar uma peça, que, ok, hoje ela é muito mais bem aceita, não tem mais aquele olhar do ‘não serve pra mim’, é um olhar muito mais positivo,  só que eles descobrem uma nova forma de vestir a peça, de um jeito que eu não projetei.  Então, por exemplo, projetei uma jaqueta que ela abre na frente, pra vestir convencionalmente, ou abre inteira atrás pra vestir quem não tem mobilidade na parte de cima, então você consegue vestir na frente e abotoar atrás, foi isso que pensei na hora que projetei. Aí uma moça que é youtuber com paralisia cerebral descobriu um novo jeito que eu não tinha pensado  na hora que eu projetei, ela separa em duas peças. Como ela (a jaqueta) abre na frente e atrás, ela transforma em duas peças, veste primeiro um lado, depois o outro e une as partes. Isso é muito legal, essa descoberta do próprio usuário.”

    Umas de suas principais dificuldades foi encontrar influências e referências dentro da moda inclusiva. “Quando eu comecei não tinha nada dentro da moda. As iniciativas que tinham pensavam apenas na deficiência. E, para mim, isso não é inclusão. Nós temos todo um trabalho de estudar os corpos para chegar a uma modelagem que possa ser usada por qualquer pessoa, com deficiência ou não”, conta.

    E foi pensando nessa proposta de um design universal, que a estilista chamou modelos com e sem deficiência para desfilar. Ao todo, foram 20 pessoas, sendo 4 delas sem deficiência.

    Desfilar envolve, entre muitas coisas, transmitir confiança e poder. E naquela noite, foi exatamente o que sentimos. Modelos com os corpo mais variáveis, com as vivências mais diversas, transbordavam orgulho e felicidade diante dos gritos da plateia. “Esse bem estar ao vestir uma roupa bonita faz parte da recuperação de um paciente ou então da autoestima de uma pessoa com deficiência”, destaca Drika. 

    O evento contou com modelos de Bauru e de cidade vizinhas. Conversando com eles, era possível perceber que cada um tinha uma relação única com a moda, mas com algumas queixas em comum. Marcelina Amaro, 37, anda em cadeira de rodas e explica que o maior desafio é experimentar as peças. “Eu costumo comprar roupas no centro [da cidade] mesmo. Mas não tem provador adaptado para nós. Aí tem que ir no olhômetro”.

    Carlos Eduardo de Oliveira, 38, também usa cadeira de rodas e encontra o mesmo desafio. Ele relata que não tinha roupas adaptáveis até conhecer a Aria e sempre teve que se ajustar às peças que encontrava. “Se a minha calça é 40, eu sempre uso 42 para ficar mais confortável. Eu também uso roupas mais leves que são mais fáceis de tirar e colocar. Eu penso que isso deveria disseminar para todo o país, para que todas as lojas tenham roupas adaptadas”, destaca.

    Alessandra Gianinni, 28, ressaltou a importância de enxergar questões além das necessidades individuais de cada um. Ela sofreu um acidente de moto em 2016 e amputou uma das pernas. A nova perspectiva de vida impactou em muitos sentidos sua vida, inclusive na moda. “Assim como pra vocês é um mundo novo, pra mim também foi quando eu amputei a perna. Foi ver uma outra realidade que a gente não enxerga sendo normal”, diz.

    “Assim como pra vocês é um mundo novo, pra mim também foi quando amputei a perna. Foi ver uma outra realidade que a gente não enxerga sendo normal”

    Créditos

    • Design: Ana R. Ribeiro, Erick de Alencar e Fernanda Henriques;
    • Editoria: Angela Maria Grossi;
    • Texto: Michelly Neris e Paula Berlim.