O que é ser deficiente?
Muito se fala sobre deficiência, mas o que é, de fato, ser deficiente? De acordo com a Lei n° 13.146, de 2015, é considerada pessoa deficiente quem “tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Acessibilidade nas escolas não é uma realidade em todo o Brasil
Dados apontam melhora, porém a situação ainda está longe do ideal.
O Brasil não é conhecido como um país que se preocupa com estudante que possuem deficiência. Segundo dados do Censo Escolar 2018 do Instituto Nacional e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), somente 31% das escolas (55.899) brasileiras têm dependências acessíveis aos portadores de algum tipo de deficiência, enquanto 41% (74.878) possuem sanitários adaptados para essa parcela da população.
De acordo com o Censo da Educação Básica de 2018, nas escolas de Ensino Fundamental, os banheiros adequados a alunos com deficiência ou mobilidade reduzida só estão presentes em 34,3% das escolas municipais, 55,6% das escolas privadas, 53,7% das estaduais. O cenário só é um pouco melhor nas federais, com 76,6% de sanitários acessíveis.
Da mesma forma, no que diz respeito às dependências e vias adequadas para tais estudantes, o cenário é péssimo. Isso porque as dependências e vias adequadas para alunos com baixa mobilidade e/ou deficiência física só está presente em 24,4% das escolas municipais, 40,7% das estaduais, 44,7% das escolas privadas e 63,8% das federais.
No Ensino Médio, o cenário melhora, embora longe do ideal. São 57,6% das escolas municipais apresentam banheiros adequados ao uso de alunos com deficiência ou mobilidade reduzida; na rede estadual esse percentual chega a 59,1%, nas escolas privadas é de 68,7% e nas federais, mais satisfatoriamente, chega a 93,8%.
As dependências, por sua vez, são acessíveis em somente 37,7% da escolas municipais, 43,4% das estaduais, 52,7% das privadas e 79,5% das federais.
Quando se olham os números de matrículas, a situação piora. Isso porque os índices de alunos que entram na educação especial, em relação aos que estão na educação comum, é baixo.
Em 2010, o Censo Escolar do INEP apontou que, na Educação Infantil, havia um total de 69.441 alunos com deficiência inseridos em classes comuns ou na educação especial, enquanto em 2018, um aumento de 31,6% em comparação com o início da década.
No Ensino Fundamental, por sua vez, houve um aumento de 60,2% no número na inclusão de alunos com necessidades especiais, pois em 2010, eram 522.978 alunos matriculados.
No Ensino Médio, havia somente 28.387 alunos incluídos em classe comuns e em modalidade especial matriculados, um aumento de quase 210% em oito anos.
De acordo também com o mesmo censo, tem havido um aumento de matrículas de alunos incluídos em classes comuns nos últimos cinco anos. Porém, os números ainda não são muito expressivos, principalmente se olharmos os dados das salas comuns com Atendimento Educacional Especializado (AEE) – neste caso, menos da metade das salas que contém estudantes com algum tipo de deficiência, transtorno global do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação.
O atendimento educacional especializado é uma iniciativa que visa promover a assistência a alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação e que estejam matriculados em classes regulares ou no atendimento educacional especializado.
Situação da educação paulista
Enquanto em vários Estados do Brasil, as matrículas de alunos na educação especial são escassas, o Estado de São Paulo é um dos mais inclusivos no país.
Dados do Censo Escolar de 2018 apontam que São Paulo concentra quase um quarto das matrículas em educação especial no país no Ensino Médio.
Apesar disso, os números não são tão altos, se comparados com o total de matrículas em todo o Estado, que perfaz 29.245 escolas em 2018.
E se compararmos com as matrículas em escolas que possuem educação especial substitutiva, o número de escolas em todo o Estado cai para 19.435, o que representa uma redução de aproximadamente 33,6% de unidades escolares.
Na cidade de Bauru, há aproximadamente 22.675 alunos matriculados no Sistema Municipal de Educação e destes, 625 estão inseridos na Educação Especial. De acordo com Carla Alves, diretora da Divisão de Ensino Especial da Secretaria de Educação no município, não há intérpretes de libras nas escolas da cidade. “Não temos intérprete de libras contratados no Sistema e sim professores que possuem formação específica, mas não foi exigência do concurso público. Não temos demanda”, afirma.
Porém, ela afirma que a cidade conta com salas de recursos multifuncionais que atendem todos os alunos com deficiência e professores de Educação nas Emefs de Ensino Fundamental e Médio.
Já o intérprete de libras, Paulo Henrique Lopes, enxerga a situação de outra forma. Ele aponta as diferenças entre um professor da educação especial e um intérprete, ressaltando que cada um tem funções específicas: o professor de educação especial trabalha em salas de recursos, fornecendo um atendimento individualizado e especial para o aluno; enquanto que o trabalho do intérprete deve se limitar a fazer a ponte entre surdo e ouvinte.
Transcrição do áudio 1: “O intérprete, no caso, se for falar de um intérprete de libras, ele é um elo de comunicação entre o surdo e o ouvinte, o palestrante, quem for. Ele só é um meio de comunicação. […] Então é muito difícil você pegar um professor especialista que… Ele até faz, às vezes, mas ele ir lá interpretar. Tem que entender que são funções diferentes. Principalmente quando a gente fala em sala de aula, tudo mais, tem função diferente. A gente não pode fazer o desvio de função.”
Além disso, Paulo, que também trabalha em uma escola da rede estadual, nega que haja falta de demanda por intérpretes de libras. Pelo contrário, ele relata que mesmo que hajam poucos surdos na sala de aula, um profissional apenas não consegue dar conta, por causa das particularidades de cada indivíduo.
Transcrição do áudio 2: “Já estive em sala de aula com 4 surdos, interpretando, então, uma matéria qualquer para 4 surdos. Foi difícil. Porque cada está num estágio. Às vezes aquele lá tá com uma libras mais avançada; o outro não sabe, não é alfabetizado. Então, assim, o surdo está inserido. Ele tá dentro da sala de aula. Então cada um tem a sua particularidade, cada um tem o seu jeito. Então, assim, um só não dá conta. O Estado até fala, né, o governo fala a questão de leis e tudo mais, que seria 4 alunos para um intérprete. Em cima disso aí vai contratando mais, e tal. Mas eu acredito que não dê, porque se você tem que dar uma olhada especial para ele, como que você faz? Se cada um é de um jeito? Então não dá a demanda não.”
Juan Diego Soares Fortunato, gestor administrativo da escola de cursos profissionalizantes onde Paulo trabalha, concorda que exista uma grande demanda por intérpretes, não apenas na educação, como também em todos os outros setores da sociedade.
Transcrição do áudio 3: “Nós vemos, no nosso cotidiano, dentro do mercado de trabalho, dentro do comércio, dentro de estabelecimentos da área educacional e da saúde, pessoas surdas aí encontrando dificuldade em atender a necessidade que ela tem. A necessidade ou na escola, a necessidade dentro do estabelecimento da saúde, ou até mesmo ela procurando para comprar algo. Nós vemos essa deficiência na hora de realizar um atendimento para esse perfil de pessoa.”
Esta é a experiência de pessoas que trabalham diretamente com o ensino básico público e com cursos profissionalizantes particulares. Tendo em vista não só os relatos das pessoas envolvidas diretamente com educação, como também os dados disponibilizados por institutos de pesquisa como o Inep e o IBGE, há de se falar também da etapa que vem depois da educação básica: o ensino superior.
Situação do Ensino Superior
Em relação ao Ensino Superior, vêm sendo feitas políticas de inclusão de pessoas com deficiência. Sobre isso, Lúcia Leite, livre-docente da Faculdade de Ciências da Unesp Bauru e líder do Grupo de Estudos de Pesquisa e Inclusão (GEPDI) , conta um pouco como a Unesp tem se mobilizado quanto a isso:
Transcrição do áudio 4: “Hoje a Unesp tem uma série de adaptações no exame vestibular para garantir o acesso da pessoa com deficiência. Intérprete de libras, locais ajustados para pessoas com problemas de mobilidade, também leitor de prova ou prova em braile para pessoas cegas, por exemplo”
Essa assistência tem amparo legal. De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão, 13.146 de 2015, é dever das instituições de ensino superior e de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas, oferecer provas em formatos acessíveis para atender as necessidades dos candidatos que possuírem algum tipo de deficiência.
Os estudantes universitários, futuros profissionais, devem receber informações para o trato pedagógico, social e profissional com pessoas com deficiência.
Porém, ela ressalta que o preconceito ainda é uma barreira muito impactante pouco falada.
Transcrição do áudio 5: “Então ainda tem um preconceito do julgamento por conta de comportamentos estereotipados que essa pessoa pode apresentar, pelo tipo de linguajar diferenciado, pela velocidade da fala diferente, ou por ela ter que usar recursos e instrumentos diferenciados, por exemplo: Talvez uma pessoa que se comunique pela (sic) libras, eu não sei me comunicar, então eu não estabeleço contato com essa pessoa. Outra pessoa que precise de um amplificador de fala ou de um aparelho para sua locomoção, eu olho pra essas pessoas com uma diferença. A diferença não tem problema, mas eu olho isso como uma diferença negativa, né, então eu tenho um olhar mais assistencialista, benevolente e não como um sujeito de direitos.”
Outra coisa que vale ressaltar é que nas universidades públicas do país, as matrículas de pessoas com deficiência não chegam nem a 0,5%, segundo dados do INEP. Na Unesp, esta situação também não é diferente.
De acordo com Lúcia, as matrículas hoje não chegam a 1%, mas não é possível saber ao certo pois o Anuário Estatístico da Universidade ainda não divulga quantos alunos com alguma deficiência estudam na instituição. No artigo sobre eventos acessíveis na Unesp, há dados da Pró-reitoria de Graduação (Prograd) que apontam como a situação na universidade está longe do ideal. No caso, são 181 alunos que se identificam com alguma deficiência ou Transtorno do Espectro Autista (TEA). Porém, vale salientar que tais dados tratam de subnotificação, pois nem todos os alunos podem ter declarado a deficiência que possuem no questionário.
Os dados podem ser acessados integralmente através do link: (PDF) Dados da Prograd sobre alunos com deficiência na UNESP.
Ainda sobre a inclusão, Ana Paula Ciantelli, doutoranda do programa de pós graduação em Psicologia pela Faculdade de Ciências (FC) da Unesp Bauru, salienta que o papel da universidade não é só incluir em números, mas sim, dar suporte para os alunos de acordo com a necessidade de cada um:
Transcrição do áudio 6: “E acho que isso esbarra exatamente na questão da barreira atitudinal. A própria universidade, ela pressupõe que esses estudantes não vão chegar, né, e deveria ser o contrário. A universidade ela não tem que apagar o fogo, entendeu, eu digo assim, não ela tem que estar preparada para receber a todos e todos são todas as questões de deficiência, não só a questão da deficiência física e auditiva que são as mais presentes na universidade, mas essas questões como a surdez, como um transtorno espectro autista que vem chegando cada vez mais, um deficiente intelectual né então é essa a questão. Eu acho que quando a gente fala das barreiras atitudinais isso já vem da própria sociedade e a própria instituição. Então aí quando eles chegam, eles vão ver o que vão fazer então acho que essa é uma questão que a gente tem que começar a debater também.”
Um dos caminhos apontados para romper a estigmatização é a sensibilização da comunidade universitária quanto às necessidades da pessoa com deficiência. Tadeu Aruna, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, disserta sobre o assunto.
Transcrição do áudio 7: “Por isso que é importante a gente trabalhar essa questão da sensibilização, de trazer essa visibilidade pra esse grupo, grupo de pessoas com deficiência porque muitas das vezes eles passam batido (…) É recente a inclusão, então assim, tem tido um boom das matrículas dessas pessoas mais recentemente, então, dar essa visibilidade, permitir essas pessoas falar (sic), olha, eu existo, olha, estamos aqui, merecemos respeito, precisa ter um público engajado pra trabalhar essa sensibilização, de pessoas que ainda não estão sensibilizadas nessa causa.”
Ana Paula destaca que essa questão é mais complexa do que parece, pois muitas vezes o estudante não se sente à vontade para demandar a sua necessidade e o professor também não está preparado para acolhê-lo. “Às vezes são coisas simples, mas o professor não teve essa formação e não sabe como trabalhar com um aluno”.
A Unesp Bauru ainda não tem um núcleo de apoio que trabalha com a acessibilidade. Os núcleos de apoio, basicamente, são espaços que possuem profissionais (psicólogos, terapeutas ocupacionais, entre outros) que são contratados para articular ações entre os órgãos e os departamentos e os funcionários da universidade para que a acessibilidade seja implementada na instituição de ensino.
Em 2013, 55 das 63 Instituições Federais de Ensino até então tinham algum núcleo de apoio à acessibilidade. Deste total, 40% eram de universidades da Região Sudeste, 22% do Nordeste, 16% das regiões Norte e Sul e 6% na região Centro-Oeste, segundo levantamento feito pelas pesquisadoras Lilian Nogueira e Fátima Oliver, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Um dos mais conhecidos é o programa INCLUIR, criado em 2005 pelo Ministério da Educação através da Secretaria de Educação Superior (SESu) e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI).
Ana Paula opina que seria importante que a Unesp também tivesse um núcleo de apoio para melhorar a inclusão dos alunos com deficiência. “Seria muito interessante se a universidade tivesse um núcleo como esse, pois as matrículas de alunos com necessidades especiais está aumentando cada vez mais”. Anna Sampaio destaca a importância dos núcleos de acessibilidade das universidades. “Os Núcleos de Apoio de Acessibilidade possuem a função de avaliar, providenciar e acompanhar as adequações de acessibilidade em todas as dimensões que se fizerem necessárias: arquitetônica, comunicacional, informacional, pedagógica etc”.
Apesar deste gargalo, Lúcia afirma que a instituição está caminhando na questão da acessibilidade de ensino.
“Está em processo de atendimento. Temos etapas a avançar, mas ela tem feito coisas e se empenhado em tornar a faculdade mais acessível para todos. Nós temos algumas unidades com ações mais solidificadas e outras nem tanto, mas estamos caminhando na questão”.
Créditos
- Design: Ana R. Ribeiro, Erick de Alencar e Fernanda Henriques;
- Editoria: Angela Maria Grossi;
- Texto: Guilherme Hansen e Ingrid Midory.