Os coletivos estudantis e a universidade entre políticas e desejos para uma educação transformadora
A presença de associações e grupos de estudantes que se reúnem em torno de um objetivo comum e compartilhado passou a ser denominado de “coletivos” no âmbito das universidades, sendo, portanto uma realidade que se coloca a cada dia.
Os coletivos estudantis universitários forjam um espaço de convivência e, por efeito de resistência diante de situações dadas, objetivas onde sentem-se apartados do convívio social por diversos motivos que envolvem as relações de gênero, as práticas racistas, os preconceitos frente às sexualidades consideradas “desviantes” e outras formas de diversidade, de diferença que os excluem e silenciam suas demandas. Com isso produzem um olhar político sobre a vida, sobre a realidade e as subjetividades existentes no ato de construir sua existência problematizando os lugares instituídos e definidos a priori. Rebatem as dicotomias que naturalizam os modos e os usos definidos institucionalmente. (PASSOS, 2007)
Colocar em foco essas ações estudantis nos possibilita compreender as lógicas de existência, a organização interna dos distintos grupos, os objetivos que defendem as demandas que os aproxima, a legitimidade e, também a durabilidade dos coletivos que nascem e “morrem” em espaços de tempo de curta duração.
Por quê?
É urgente e necessário refletir, entender essas novas composições de associativismo social (GOHN, 2008; TORO, 2007) que vem sendo evidenciadas e que abrem espaço levando em conta as múltiplas identidades e as demandas constituindo grupos de resistência para existir, para agir e que operam nas mídias digitais com comunicação imediata em tempo virtual (POSSAS, 2019).
Explodem a cada momento, com uma energia geracional impressionante porém sem as continuidades dos propósitos das quais emergiram e que periodicamente são recriados com outras denominações em substituição aos anteriores.
Como ficam as suas lideranças e demais membros?
Os coletivos se colocam na rediscussão dos movimentos sociais na América Latina, de como articulam as experiências individuais de cada sujeito social, com as categorias conceituais anteriores e com a presença contemporânea das “redes” que constituem um modo de comunicação de não “copresença física”, mas em um ambiente favorável à germinação de ideias, e difusão de atitudes. A emissão e recepção instantânea, mesclada pela tecnologia provocam “mobilizações” com rapidez e construções de si, que emergem a todo momento.
Em uma das entrevistas concedidas por um dos membros do Coletivo Abre Alas por uma das estudantes do curso de jornalismo, no sentido de garantir e dar respaldo quando elas adentram à universidade:
“o ‘Abre Alas’, nos vemos como irmãs que lutam pela mesma causa e estão lá para qualquer coisa, seja para ajudar entre nós mesmas ou outra mana que precise”. (…) Nosso objetivo é ter um espaço de acolhimento em que essas discussões (apontadas anteriormente como o feminismo, o racismo e lgbtfobia) pudessem acontecer de forma ampla, horizontal e que provocassem mudanças estruturais na universidade”, (Social Bauru, 23 /06/ 2016)
Os coletivos e suas propostas de ações e provocações publicas marcam lugares e, embora suas lideranças pretendam ser representantes de identidades e especificidades de grupos e sujeitos de classe, de cor e de sexualidade. Muitas vezes sua existência é provisória em razão do modo como a organização política tem se dado no contexto da universidade.
Marcado pela transitoriedade, a continuidade da existência dos coletivos a longo prazo tem a ver com a reunião em torno de objetivos de luta comuns de um grupo de pessoas. Mesmo com mudanças de nomes e de componentes muitas pautas ainda se mantém em torno de interesses de afirmação política identitária na universidade ou, ainda, como espaço de produção de ações alternativas à construção de saberes no cotidiano acadêmico (pela arte, pela cultura ou ou epistemes dissidentes da tradição científica acadêmica).
Mesmo em trânsito, a movimentação dos coletivos fazem história no espaço acadêmico que sempre foi excludente pelas suas origens. Se abrem como um espaço de educação menor que busca avançar em uma realidade universitária capaz de produzir efeitos nos territórios sociais e locais que estamos inseridos, e isto se deve a diversos anos de interlocução entre o campo acadêmico e social, das quais as práticas situadas, grupos de pesquisas, rodas de conversas, grupos de intervenção, laboratórios sociais, empresas juniors, projetos de extensão, redes e cooperativas, e a tantos outros movimentos; provocaram uma urgente necessidade de práticas coletivas na universidade, entre universitários e as populações.
Assim, os Coletivos Estudantis Universitários são formas de impulsionar uma ocupação com o desejo, diversas conexões transformadoras, pois partem de contribuições inter/transdisciplinares tecnocientíficas, comprometidos de que a tematização das insurgências híbridas. Os coletivos tem essa característica de produzir espaços coexistentes aos institucionais em que produz um olhar político sobre a vida, provoca de certo modo uma análise sua existência e atividade “problematiza os lugares instituído, as dicotomias naturalizadoras, porque pergunta sobre os modos de constituição das instituições” (PASSOS, 2007).
Como forças coletivas, os Coletivos Universitários estão conectados às práticas de preservação e de ocupações dos espaços políticos contemporâneos. Eles buscam criar redes com diversas narrativas para conectar a preservação de modos múltiplos de desejar. O desejo corresponde a um certo tipo de produção:”O desejo tem infinitas possibilidades de montagem, de criatividade, mas que também podem entrar em processos de implosão” (GUATTARI, 1996, p.177).
Este desejo, vivido e experimentado no campo das forças coletivas de nosso trabalho, compõe a energia insurgente de conectividade ao campo de forças do qual intervimos e ocupamos politicamente. Este é um lugar de efervescência e magnetismos que produz ocupações políticas, que transformam espaços e preservam riquezas em seus mundos.
Os modos de aproximação entre os coletivos, seus componentes e a comunidade universitária é a dinâmica de formalização dos seus discursos, as estratégias de publicitação em blogs, facebook, twitters. Esse modo de existir pelas e com as tecnologias viabilizam uma rápida comunicação e sensibilização momentânea e arregimentação diante das inúmeras denúncias que ocorrem. Sentimentos de comoção, solidariedade, companheirismo são acionados e há, em uma corrente imediata a ampliação da capacidade das pessoas envolvidas em situações traumáticas assumirem uma fala, defender pontos de vista e fazer a crítica para a criação de alternativas de suporte.
A existência dos coletivos tem a ver com uma certa política do desejo da comunidade estudantil em buscar alternativas e romper com de violências e exclusão. Na busca de compartilhar o desejo de uma “universidade inclusiva e democrática”.
Para conhecer coletivos e iniciativas que estão inseridas no contexto da UNESP, acesse o Mapeamento de Iniciativas que o Educando organizou.
Referências
GOHN, M. Gloria. Abordagens Teóricas no Estudo dos Movimentos sociais na América latina In: Cadernos CRH, Salvador, v.21, n. 54, p. 439-455, 2008; Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 47 maio-ago. 2011
GUATARRI, F. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. São Paulo: Brasiliense,1996.
PASSOS, E. Apresentação. Quando o grupo é afirmação de um paradoxo. IN BENEVIDES, R. Grupo: a afirmação de um simulacro. Porto Alegre: Editora Sulinas, 2007, p. 11-20.
Alegre: Editora Sulinas, 2007, p. 11-20. POSSAS, Lidia M.V. (PDF) O “digefeminismo” e o assédio sexual no ambiente universitário: estratégias, ativismos, os silêncios, as resistências e as alternativas possíveis. LASA/2019.
TORO, Jose Bernardo; WERNECK, Nísia. Mobilização social: um modo de construir a democracia e a participação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
Créditos
Produção do projeto Educando para a Diversidade.
- Texto: Profa. Lidia Maria Vianna Possas (UNESP/Marília), Prof. Fabio Henrique Martins (UNESP/Assis) e Prof. Leonardo Lemos de Souza (UNESP/Assis).
- Ilustrações: Gabriela Airi e Ana Beatriz Raboni.
- Design: Profa. Dra. Fernanda Henriques, Gabriela Airi e Ana Beatriz Raboni.
- Versão em áudio roteirizada: Vinícius Nascimento, com locução de Yasmin Moscoskie e edição de Bárbara Viotto, sob coordenação de Suely Maciel.